Mais de 70 Crimes de Racismo são Registrados nos Primeiros Quatro Meses de 2023 no RN, aponta Sesed

Os casos de racismo no Rio Grande do Norte tiveram um crescimento de mais de 470% entre os meses de janeiro e abril de 2023. De acordo com a Secretaria de Segurança de Segurança e Defesa Social do Estado (Sesed), o RN registrou 14 casos de racismo nos quatro primeiros meses de 2022. Já em 2023, o número aumentou para 79.

Entre os dados disponibilizados, os crimes resultantes de injúria racial são os que apresentam maior crescimento. Em 2022, o RN teve apenas um registro. No entanto, o número se tornou maior em 2023, com 53 casos de injúria racial divulgados pela Sesed. Além disso, ao se falar da pratica da discriminação ou preconceito de raça, cor. etnia, religião ou procedência nacional (racismo), ocorreu um aumento de 100%. De janeiro a abril de 2022, o estado contabilizou 12 casos e no ano passado, 24.

Através dos meios de comunicação, a propagação do racismo também foi registrada no estado nos últimos dois anos. Entre janeiro e abril de 2022, o estado apontou uma denúncia e durante o mesmo período de 2023, duas.

De acordo com a Coordenadoria de Políticas de Promoção de Igualdade Racial da Secretaria de Estado das Mulheres, da Juventude, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos (SEMJIDHRN), criada em 2019, os casos de racismo sempre existiram, mas anteriormente não existia estrutura para registrá-los. “O aumento dos registros dos casos se dá devido às condições que estão sendo construídas pelo Estado. Uma das ações do estado é a preocupação para que o racismo seja devidamente registrado e protocolado”.

“Por que eu tenho que ser negro?”. O questionamento é de Luan Conceição, de 22 anos. Ainda na Educação Infantil, após sofrer bullying na escola, o menino chegou aos pais se questionando a razão de ter nascido negro. “Acho que foi nessa época, ainda muito pequeno, que eu percebi que era diferente e que a minha cor seria um motivo para as pessoas me destratarem”, conta. Para ele, durante a infância, as agressões verbais surgiam principalmente de outras crianças, que reproduziam os discursos que aprenderam com os adultos.

Lembrar desses momentos, para Luan, requer esforço, pois é algo que ele confirma ter um bloqueio. No entanto, ele afirma recordar da época do colégio quando era excluído, ameaçado e vítima de apelidos e piadas racistas. “Uma vez, outras crianças conversavam sobre quem deveria bater na turma e um colega disse ‘a gente tem que pegar aquele preto’. Hoje, eu paro pra pensar e tenho certeza que isso não é o discurso de uma criança e sim algo que ele estava reproduzindo”.

Assim como Luan, Sammara Beatriz, de 21 anos, também relata a infância difícil que teve, sendo violentada direta e bruscamente por palavras de cunho racista. “Quando eu tinha 8 anos, a coordenadora de uma escola falou pra minha amiga branca de cabelo liso pra não brincar comigo. De início achei uma besteira, eu era uma criança em sua pura inocência. Contei isso pra minha mãe e aquele ato, que eu achava insignificante, gerou um processo contra a escola e a mudança dela no meio do ano”, diz.

As marcas e os traumas do racismo, segundo Sammara, estão presentes e são tópicos de terapia até hoje, seja por insegurança ou até mesmo questões estéticas. “Ser negra e periférica sempre foi um fardo, sempre precisei provar que era boa 2x mais do que os outros. A preocupação com a imagem também era muito presente na minha infância e adolescência, um trauma passado de geração pra geração. Minha mãe nunca nos deixava sair de qualquer jeito ou desarrumada, porque pra ela esse seria mais um motivo para o racismo entrar em cena. Até hoje me sinto assim, desconfortável em lugares públicos ou que o julgamento racista possa vir à tona”.

Os dois afirmam que, nos dias de hoje, não presenciam o racismo com tanta frequência, apesar de, em certos momentos serem vítimas de olhares julgadores e pessoas que escondem seus pertences ao se aproximarem deles. Porém, Luan aponta que na internet, as pessoas brancas fazem questão de se mostrarem preconceituosas. “Elas estão escondidas atrás das telas e se aproveitam do discurso falacioso da liberdade de expressão que as plataformas oferecem para usar insultos racistas contra pessoas negras. Já ocorreu comigo e eu já observei ocorrendo com diversos outros pretos e pretas. Não há um ambiente seguro de racismo para os nossos corpos”, afirma.

Como forma de parar os ataques e dar mais seriedade ao assunto, Sammara e Luan apontam a educação racial desde a base de ensino como uma das alternativas. “Enquanto contarmos a história do Brasil e do mundo do ponto de vista do branco colonizador, ignorando a história e cultura dos povos pretos que formaram nosso país e nos reduzindo a escravos e serviçais, é assim que a sociedade nos verá”, diz Luan.

Além disso, para Sammara, é importante também entender certas atitudes que propagam a existências do racismo. “é preciso entender as raízes do racismo e como ele se propaga, como por exemplo, a banalização de piadas de cunho racista. Ações como essa banalizam o racismo e torna-o comum, fazendo com que a estrutura racista do país só se fortaleça”, afirma.

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Casos registrados relacionados ao racismo aumentam no Rio Grande do Norte, aponta Sessed

Penas para os crimes

Sancionada em 11 de janeiro de 2023, a lei que tipifica a injúria racial como crime de racismo, promove medidas mais severas em relação à punição daqueles que realizam o ato criminoso. Segundo Kádia Kelly, advogada e presidente da Comissão Especial de Promoção à Igualdade Racial da OAB-RN, aqueles que cometerem crime de injúria racial serão penalizados com 2 a 5 anos de reclusão e multa. Caso o crime seja cometido por duas ou mais pessoas, a pena pode ser aumentada pela metade.

Caso os crimes de racismo forem cometido no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público, a advogada afirma que a pena é de reclusão, de 2 a 5 anos, e proibição de frequência, por três anos, a locais destinados a práticas esportivas, artísticas ou culturais destinadas ao público, conforme o caso. Em caso do racismo ser feito com intuito de descontração, diversão ou recreação, as penas serão aumentadas de até a metade da reclusão definida.

Além disso, para considerar como atitude discriminatória na interpretação da Lei 14.532/2023, Kádia aponta que o juiz deve levar em consideração “atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência”.

Combate ao racismo: como denunciar?

Para a presidente da comissão, os altos índices de crimes referentes ao racismo não é algo presente apenas no estado, mas sim mundialmente. Porém, os números de denúncias também vêm crescendo. “Isso ocorre hoje porque as autoridades e o poder público vem tentando combater veementemente, sem falar que as pessoas atualmente tem mais acesso à informação e estão se conscientizando que certos comportamentos e palavras englobadas nas situações do cotidiano caracterizam o crime de racismo e consequentemente realizam mais denúncia a fim de combater esse crime de ódio”, afirma Kádia Kelly.

Para denunciar os crimes de racismo, a advogada aponta que a SEMJIDHRN disponibiliza um um canal de ouvidoria, assim como o disque 100 como forma de receber as denúncias e dar suporte às vítimas. Além disso, ela afirma que a criação de uma rede de apoio às vítimas desses crimes está em andamento, em uma parceria entre a OAB-RN e a SEMJIDHRN.

A advogada alerta ainda para os casos de emergência. Neste caso, a vítima deve informar ao 190. Caso o crime já tenha acontecido e a vítima deseje denunciar, é recomendado que se procure a autoridade policial mais próxima e registre a ocorrência. Kádia ainda afirma que “é necessário também contar a história com o máximo de detalhes, fornecer, se possível, nomes e contatos das testemunhas e solicitar à autoridade policial para incluir na queixa que deseja que o agressor seja processado”.

 

 

 

#Fonte: Agorarn


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