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Tão desprezada e tão praticada, a fofoca pode tanto ser motivo de socialização como gerar alguma repulsa, ainda que esse hábito tenha um quê de irresistível. Há até quem defenda que esse tipo de manifestação tenha sido fundamental para a sobrevivência da espécie humana, sendo uma vantagem evolutiva. Isso porque, segundo teóricos, o mexerico foi instrumento para que os primatas desenvolvessem, por exemplo, a capacidade de trabalho em equipe. Se um deles se ferisse, mesmo que não comunicasse isso ao grupo a que pertencia, essa história poderia se espalhar, favorecendo que outros se voluntariassem a desenvolver as suas funções.
Mas, é claro, o fuxico está longe de ser uma virtude absoluta. E, muitas vezes, mais do que falar sobre alguém que não está presente, esse comportamento vem acompanhado da maledicência. Em tais situações, o hábito tende a ser pouco edificante.
Foi partindo da premissa de que a fofoca estaria necessariamente associada ao costume de falar mal de alguém que Mariana Uhlmann foi às redes sociais compartilhar um aprendizado. Em uma publicação no Instagram, a jornalista e influenciadora digital revelou que um questionamento de seu marido, o ator Felipe Simas, mudou a forma como ela lida com a boataria. “Fui contar uma coisa pro Fi, e ele disse no meio da história: ‘Isso que você vai me contar vai edificar a minha vida? Edificou a sua? Da nossa família?’”, escreveu, completando que optou por não continuar a conversa e que a reflexão foi um divisor de águas em sua vida. “O que sai da nossa boca edifica ou magoa?”, conclui Mariana no post.
A história causou burburinho entre os seguidores de Mariana, sendo motivo de admiração e também de deboche. Na ocasião, muito fofoqueiro saiu do armário para defender o comportamento, que, convenhamos, é praticamente um patrimônio da humanidade. Segundo uma pesquisa da Social Psychological and Personality Science, as pessoas gastam até 52 minutos por dia apenas falando sobre alguém que não está por perto – ou seja, futricando. E é verdade que boa parte desse tempo pode ser gasta com amenidades, meras atualizações, significando até mesmo um gesto de bem-querer ao próximo. Mas não raramente essas conversas são impregnadas de especulações e de maledicência.
“Eu percebo essa ânsia de falar mal de alguém como algo universal, que independe de classe, instrução ou de outras características sociais. Em alguns casos, estamos falando de um vício moral, que permite ao maledicente sentir prazer ao apontar os defeitos dos outros”, opina o psicólogo Luciano Pinheiro. Ele pontua que, ao criticar, tendemos a nos colocar como superiores, como se estivéssemos imunes a cometer aqueles erros que estamos apontando no outro.
Para o estudioso do comportamento humano, a mordacidade possui um quê de paradoxal. Por um lado, nos blindamos e saímos do foco quando apontamos para falhas alheias. “É algo que funciona como uma estratégia, como se atacando não fôssemos ser atacados, como se falando do defeito dos outros pudéssemos esconder os nossos”, pontua. Porém, ao mesmo tempo em que nos escondemos, ao criticar alguém, podemos estar buscando notoriedade e atenção. “É algo atraente, pois me possibilita esconder ganhando palanque. Com isso, posso me sentir mais aceito e pertencente a um grupo”, avalia.
Autoanálise às avessas
A fofoca como um mecanismo de defesa é ratificada pelo também psicólogo Diogo Mendes. Ele acrescenta que essa postura, em diversos casos, está associada a problemas de baixa autoestima e à necessidade de aprovação. “Quem passa o dia apontando os erros alheios, sem conseguir ver os atributos positivos de ninguém, possivelmente não consegue ver as suas próprias qualidades”, sugere.
Para Mendes, uma das características mais marcantes daqueles que têm o hábito ou que têm prazer em falar mal do outro é justamente o baixo contato experiencial. “Estamos falando de um sujeito que conhece pouco de si próprio, que, conscientemente, é incapaz de fazer uma autocrítica. Curiosamente, esse indivíduo acaba fazendo uma análise de si mesmo às avessas, ou seja, passa a projetar e apontar nos outros defeitos que são, na verdade, seus”, situa.
Há uma frase, atribuída ao psicanalista austríaco Sigmund Freud (1856-1939), que resume bem essa situação: “Quando Pedro me fala de Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo”. E, de fato, a fofoca contra alguém diz tanto sobre seus praticantes que basta participar passivamente de uma situação assim para identificar características do falador e saber o tipo de troca que poderá ser feito.
“Ao ouvir uma conversa, somos capazes de saber se aquela pessoa anda maldizendo alguém com quem nos identificamos, de forma que nossa escolha pode ser se afastar. Porém, se o alvo dela é um indivíduo que não nos desperta apreço, os apontamentos podem até ser motivo de aproximação”, salienta Luciano Pinheiro. “Não tenho dúvida de que a maledicência possa ser uma ferramenta para identificar supostos aliados”, conclui.
Mudando de postura
Embora a má língua possa ser pretexto para novas conexões sociais, o psicólogo Luciano Pinheiro lembra que esse comportamento, quando se torna muito característico de alguém, pode provocar até mesmo a exclusão dessa pessoa. “Ela passa a ser vista com desconfiança. Além disso, pode introduzir assuntos que deixam os outros desconfortáveis”, diz. Por isso, o isolamento tende a ser um problema comum aos fofoqueiros inveterados. “Algo que, somado a problemas com a autoestima, tende a repercutir em transtornos ansiosos e depressivos”, sinaliza.
Para evitar que se chegue a esse extremo, Diogo Mendes sugere uma solução semelhante àquela encontrada por Mariana Uhlmann: o crivo socrático. “Basicamente, se trata de, antes de passar uma história pra frente, se fazer três perguntas. Para começar, se essa informação que desejamos compartilhar é verdadeira. Depois, se ela é construtiva. E, por fim, se é algo útil a ser dito”, sugere.
Anti-estresse. Os crivos, contudo, são muito subjetivos. Afinal, em alguma medida, mesmo a maledicência pode se mostrar útil e ser, por exemplo, um suporte para a lida com o estresse. “A agressividade é uma força motriz do ser humano e não é exclusivamente ruim. Se você mora no Brasil e pega ônibus ou metrô, você precisa desse atributo para conseguir embarcar. Mesmo para se desenvolver profissionalmente, precisará recorrer a essa característica para encarar medos e inseguranças. Além disso, não dá para sempre suprimir a agressividade, o que poderia levar, inclusive, a manifestações psicossomáticas. Nesse sentido, falar mal de alguém pode se revelar, sim, uma válvula de escape”, assinala.
A avaliação faz sentido frente a uma pesquisa realizada por estudiosos da Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos Estados Unidos, e divulgada em 2012 na versão digital do Journal of Personality and Social Psychology. Segundo a investigação científica, a fofoca teria papel fundamental na manutenção da ordem social à medida que ajuda as pessoas a reduzir o nível de estresse e a policiar o comportamento alheio.
O estudo em questão focou apenas no mexerico sobre episódios notadamente condenáveis. Ou seja, os aspectos positivos da prática apareciam quando atitudes ruins dos outros eram delatadas. Diante desse fato, críticos ponderam que as conclusões estão restritas a um contexto muito específico e lembram que o hábito de criar intrigas, em vez de amenizar o estresse, pode contribuir para a construção de um ambiente estressor.
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