Enem abre inscrições: Brasil vai 'na contramão do mundo' ao manter datas do exame em meio à pandemia?
Direito de imagemMARIANA LEAL/MEC Enem deste ano continua sendo previsto para novembro, mas há pedidos para que seja adiado
#Fonte: BBC News Brasil
As inscrições do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) começaram nesta segunda-feira (11/05) em meio a discussões sobre se a prova — agendada para 1º e 8 de novembro, na versão impressa, e 22 e 29 de novembro, na versão digital, com provas em computador feitas em locais definidos pelo Ministério da Educação — deveria ser adiada, no momento em que praticamente todas as escolas do país estão fechadas e os alunos estão tendo que estudar remotamente por conta da pandemia do novo coronavírus.
O ministro da Educação, Abraham Weintraub, tem defendido a manutenção das datas da prova, argumentando que a crise de saúde tende a passar até novembro e que "é cedo para desistirmos do ano" escolar.
Críticos afirmam que, nas atuais circunstâncias, manter as datas de prova vai prejudicar desproporcionalmente mais os alunos carentes, que estão tendo maiores dificuldades em ter acesso a conteúdo digital e a uma rotina de estudos sem as aulas presenciais.
Embora o Brasil não esteja sozinho na manutenção de seus exames nacionais estudantis, o país é parte de um grupo minoritário. Um levantamento da Unesco (braço da ONU para a educação) de 11 de abril (e, portanto, sujeito a atualizações, uma vez que os cenários nacionais estão mudando constantemente) aponta que cerca de 20 países decidiram manter todos ou parte de seus exames — além de Brasil, estão no grupo Alemanha, Finlândia, Nova Zelândia, Colômbia e Costa Rica, entre outros.
Mas cerca de 80 países cancelaram, adiaram ou remarcaram suas avaliações estudantis, entre eles EUA, Reino Unido, China, Irlanda, Espanha, Coreia, França e Noruega.
E é importante destacar que alguns países, como Alemanha, Finlândia e Colômbia, aparecem mais de uma vez na listagem, por terem mais de um exame sendo levado em consideração pela Unesco ou por adotarem múltiplas estratégias simultaneamente nos âmbitos regionais.
No hemisfério norte, um agravante é o fato de muitas avaliações estarem inicialmente previstas para o fim do primeiro semestre (fim do ano letivo), período ainda crítico da pandemia em grande parte do mundo.
'Impacto no sistema educacional por meses'
Nos EUA, país com o maior número de casos (1,3 milhão até esta segunda-feira) e mortes (mais de 79 mil) por covid-19, o órgão US College Board afirmou que os exames SAT, que avaliam alunos concluindo o ensino médio, não serão mais realizados em 6 de junho.
"Se for seguro do ponto de vista de saúde pública, vamos aplicar o SAT mensalmente aos fins de semana até o fim do ano, a partir de agosto", diz a instituição.
No Reino Unido, foram canceladas as avaliações de admissão às universidades, sob o argumento de que a pandemia "deve continuar a ter um impacto significativo no sistema educacional e no país ao longo de meses".
"Por isso, cancelamos os exames para dar a alunos, pais e professores alguma certeza e permitir que escolas e universidades foquem em apoiar as crianças vulneráveis e as crianças dos trabalhadores essenciais (que continuam tendo aula no país)", diz comunicado do Departamento da Educação britânico. A admissão às universidades será feita de modo alternativo, com a mensuração de simulados e provas feitas anteriormente pelos estudantes.
A França adiou por enquanto seus exames nacionais e de seleção de professores, argumentando que seria impossível realizá-los antes do fim de maio.
Na China, que começa a retomar a rotina após ter passado pelo pico da pademia, o exame gaokao, que deverá ser feito por estimados 10 milhões de estudantes em busca de vagas nas universidades, foi adiado em um mês, de junho para julho, segundo a imprensa estatal. A Província de Hubei (epicentro inicial do novo coronavírus) e Pequim terão calendários próprios para a prova.
Outros 30 países estão transferindo os exames para o ambiente virtual ou introduzindo avaliações e validações alternativas de aprendizado, segundo a compilação da Unesco.
Desigualdades de acesso
O órgão da ONU pede que, ao decidir se mantêm ou não seus exames nacionais, os países ponderem, acima de tudo, a "segurança, saúde e bem-estar emocional de estudantes e equipes educacionais", tomando as devidas medidas sanitárias — como distanciamento social de alunos, uso de máscaras e limpeza dos locais. Mas é preciso ir além disso, diz a Unesco.
"As decisões devem ser motivadas por preocupações com a justiça, a igualdade e a inclusão", afirma o documento da entidade.
"Avaliações e validações de aprendizado estudantil durante o período em que as escolas estão fechadas devem levar em conta desigualdades em acesso a estrutura de aprendizagem à distância, a recursos e à banda larga de internet."
No caso do Brasil, a questão da desigualdade de ensino é a mais levantada por críticos que defendem o adiamento do Enem.
"As condições de estudos dos alunos estão muito diferentes", argumenta Lucas Fernandes, gerente de estratégias políticas da organização Todos Pela Educação.
"Temos redes (estaduais e municipais) que conseguem oferecer ensino remoto e até oferecer pacotes de dados de internet para os alunos. E temos redes que ainda estão planejando o que fazer. Do ponto de vista dos alunos, as diferenças no acesso a computadores e a internet são as mais evidentes. Mas há também diferenças em literacia digital: pessoas mais vulneráveis podem ter acesso a celulares, mas não fazem uso frequente (para estudar) no dia a dia. As evidências mostram que, na hora das avaliações, esses estudantes menos letrados têm performance pior."
Fernandes agrega que as desigualdades já profundas na educação — e no acesso ao ensino superior — podem acabar agravadas pelas circunstâncias atuais.
"E o Enem não pode ser um mecanismo de aprofundamento dessas desigualdades. Historicamente, o Enem facilitou a entrada dos mais pobres na universidade. Ao optar por manter a data da prova, o Ministério da Educação vai no caminho contrário a isso."
Um adiamento, diz Fernandes, também daria ao Ministério da Educação mais tempo para planejar a logística do Enem caso seja necessário manter as medidas de distanciamento social entre os alunos na data da prova.
O ministro Abraham Weintraub, por sua vez, diz que o adiamento significaria fazer os jovens "perderem o ano" e frustraria "as expectativas de 5 milhões de brasileiros" (número estimado de inscritos no Enem). Ele também afirmou que "não fazer o Enem resultará em menos médicos, enfermeiros etc.".
Para Fernandes, do Todos Pela Educação, é provável que tenhamos menos formandos (ou que as formaturas sejam adiadas) independentemente da data do Enem, uma vez que as instituições de ensino superior também estão fechadas para aulas presenciais.
"O ideal seria um diálogo com universidades, com Estados e municípios para postergar o exame e também as datas de início das universidades (no ano que vem)", defende ele.
Pelo Twitter, em entrevistas e em sessões com parlamentares, Weintraub tem afirmado que a maioria dos jovens que presta o Enem já concluiu o ensino médio (caso de 58,7% dos que prestaram a prova de 2019, diz o ministro) — portanto, seria supostamente menos afetada pela ausência de aulas presenciais nas escolas — e que é preciso ocupar os estudantes em casa.
"Ou ele está estudando para o Enem ou é oficina do diabo. A gente tem que dar perspectiva. Se não tiver, você deixa esse jovem ser facilmente cooptado pelo crime ou pelos movimentos sociais organizados", afirmou em entrevista a um canal de YouTube.
A parlamentares, o ministro afirmou que a situação do Enem poderá ser reavaliada em agosto.
No âmbito legislativo, tramitam diversos projetos e emendas relacionados ao Enem 2020, ao menos três deles no Senado. Um deles, do senador Humberto Costa (PT-PE), pede que sejam estendidos prazos para que alunos possam pagar a taxa do Enem ou pedir isenção na taxa de inscrição.
Já projetos de Daniella Ribeiro (PP-PB) e Izalci Lucas (PSDB-DF) querem o adiamento da prova.
O senador tucano defende que o calendário das provas só seja definido quando as aulas presenciais forem retomadas. "O Inep (órgão do Ministério da Educação responsável pelo Enem) deve se abster de datas ou aplicação de provas até a retomada das aulas do ensino médio", disse Izalci Lucas à Agência Senado. "Temos muitos alunos sem a mínima condição de receber seus conteúdos e não é razoável aplicar uma prova em que muitos serão prejudicados."
Na Câmara, um grupo de seis deputados propõe um decreto que faça deixar de vigorar os editais do Enem 2020 e, assim, force o governo a adiar a prova.
"A maioria das escolas particulares com alunos de classe média e alta continuaram seus estudos em casa, com aulas online, professores acompanhando exercícios, dúvidas, trabalhos escolares etc. No geral esses alunos têm melhores possibilidades de estudos em casa, com acesso a internet, computador, tablets e smartphones. Os alunos da rede pública de ensino, em sua maioria de baixa renda no Brasil, estão muito distantes dessa realidade de possibilidades de estudo e como consequência, de aprovação no Enem para ingresso nas universidades federais do país", diz o texto do projeto de decreto.
O ministro da Educação, Abraham Weintraub, tem defendido a manutenção das datas da prova, argumentando que a crise de saúde tende a passar até novembro e que "é cedo para desistirmos do ano" escolar.
Críticos afirmam que, nas atuais circunstâncias, manter as datas de prova vai prejudicar desproporcionalmente mais os alunos carentes, que estão tendo maiores dificuldades em ter acesso a conteúdo digital e a uma rotina de estudos sem as aulas presenciais.
Embora o Brasil não esteja sozinho na manutenção de seus exames nacionais estudantis, o país é parte de um grupo minoritário. Um levantamento da Unesco (braço da ONU para a educação) de 11 de abril (e, portanto, sujeito a atualizações, uma vez que os cenários nacionais estão mudando constantemente) aponta que cerca de 20 países decidiram manter todos ou parte de seus exames — além de Brasil, estão no grupo Alemanha, Finlândia, Nova Zelândia, Colômbia e Costa Rica, entre outros.
Mas cerca de 80 países cancelaram, adiaram ou remarcaram suas avaliações estudantis, entre eles EUA, Reino Unido, China, Irlanda, Espanha, Coreia, França e Noruega.
E é importante destacar que alguns países, como Alemanha, Finlândia e Colômbia, aparecem mais de uma vez na listagem, por terem mais de um exame sendo levado em consideração pela Unesco ou por adotarem múltiplas estratégias simultaneamente nos âmbitos regionais.
No hemisfério norte, um agravante é o fato de muitas avaliações estarem inicialmente previstas para o fim do primeiro semestre (fim do ano letivo), período ainda crítico da pandemia em grande parte do mundo.
'Impacto no sistema educacional por meses'
Nos EUA, país com o maior número de casos (1,3 milhão até esta segunda-feira) e mortes (mais de 79 mil) por covid-19, o órgão US College Board afirmou que os exames SAT, que avaliam alunos concluindo o ensino médio, não serão mais realizados em 6 de junho.
"Se for seguro do ponto de vista de saúde pública, vamos aplicar o SAT mensalmente aos fins de semana até o fim do ano, a partir de agosto", diz a instituição.
No Reino Unido, foram canceladas as avaliações de admissão às universidades, sob o argumento de que a pandemia "deve continuar a ter um impacto significativo no sistema educacional e no país ao longo de meses".
"Por isso, cancelamos os exames para dar a alunos, pais e professores alguma certeza e permitir que escolas e universidades foquem em apoiar as crianças vulneráveis e as crianças dos trabalhadores essenciais (que continuam tendo aula no país)", diz comunicado do Departamento da Educação britânico. A admissão às universidades será feita de modo alternativo, com a mensuração de simulados e provas feitas anteriormente pelos estudantes.
A França adiou por enquanto seus exames nacionais e de seleção de professores, argumentando que seria impossível realizá-los antes do fim de maio.
Na China, que começa a retomar a rotina após ter passado pelo pico da pademia, o exame gaokao, que deverá ser feito por estimados 10 milhões de estudantes em busca de vagas nas universidades, foi adiado em um mês, de junho para julho, segundo a imprensa estatal. A Província de Hubei (epicentro inicial do novo coronavírus) e Pequim terão calendários próprios para a prova.
Outros 30 países estão transferindo os exames para o ambiente virtual ou introduzindo avaliações e validações alternativas de aprendizado, segundo a compilação da Unesco.
Desigualdades de acesso
O órgão da ONU pede que, ao decidir se mantêm ou não seus exames nacionais, os países ponderem, acima de tudo, a "segurança, saúde e bem-estar emocional de estudantes e equipes educacionais", tomando as devidas medidas sanitárias — como distanciamento social de alunos, uso de máscaras e limpeza dos locais. Mas é preciso ir além disso, diz a Unesco.
"As decisões devem ser motivadas por preocupações com a justiça, a igualdade e a inclusão", afirma o documento da entidade.
"Avaliações e validações de aprendizado estudantil durante o período em que as escolas estão fechadas devem levar em conta desigualdades em acesso a estrutura de aprendizagem à distância, a recursos e à banda larga de internet."
No caso do Brasil, a questão da desigualdade de ensino é a mais levantada por críticos que defendem o adiamento do Enem.
"As condições de estudos dos alunos estão muito diferentes", argumenta Lucas Fernandes, gerente de estratégias políticas da organização Todos Pela Educação.
"Temos redes (estaduais e municipais) que conseguem oferecer ensino remoto e até oferecer pacotes de dados de internet para os alunos. E temos redes que ainda estão planejando o que fazer. Do ponto de vista dos alunos, as diferenças no acesso a computadores e a internet são as mais evidentes. Mas há também diferenças em literacia digital: pessoas mais vulneráveis podem ter acesso a celulares, mas não fazem uso frequente (para estudar) no dia a dia. As evidências mostram que, na hora das avaliações, esses estudantes menos letrados têm performance pior."
Fernandes agrega que as desigualdades já profundas na educação — e no acesso ao ensino superior — podem acabar agravadas pelas circunstâncias atuais.
"E o Enem não pode ser um mecanismo de aprofundamento dessas desigualdades. Historicamente, o Enem facilitou a entrada dos mais pobres na universidade. Ao optar por manter a data da prova, o Ministério da Educação vai no caminho contrário a isso."
Um adiamento, diz Fernandes, também daria ao Ministério da Educação mais tempo para planejar a logística do Enem caso seja necessário manter as medidas de distanciamento social entre os alunos na data da prova.
O ministro Abraham Weintraub, por sua vez, diz que o adiamento significaria fazer os jovens "perderem o ano" e frustraria "as expectativas de 5 milhões de brasileiros" (número estimado de inscritos no Enem). Ele também afirmou que "não fazer o Enem resultará em menos médicos, enfermeiros etc.".
Para Fernandes, do Todos Pela Educação, é provável que tenhamos menos formandos (ou que as formaturas sejam adiadas) independentemente da data do Enem, uma vez que as instituições de ensino superior também estão fechadas para aulas presenciais.
"O ideal seria um diálogo com universidades, com Estados e municípios para postergar o exame e também as datas de início das universidades (no ano que vem)", defende ele.
Pelo Twitter, em entrevistas e em sessões com parlamentares, Weintraub tem afirmado que a maioria dos jovens que presta o Enem já concluiu o ensino médio (caso de 58,7% dos que prestaram a prova de 2019, diz o ministro) — portanto, seria supostamente menos afetada pela ausência de aulas presenciais nas escolas — e que é preciso ocupar os estudantes em casa.
"Ou ele está estudando para o Enem ou é oficina do diabo. A gente tem que dar perspectiva. Se não tiver, você deixa esse jovem ser facilmente cooptado pelo crime ou pelos movimentos sociais organizados", afirmou em entrevista a um canal de YouTube.
A parlamentares, o ministro afirmou que a situação do Enem poderá ser reavaliada em agosto.
No âmbito legislativo, tramitam diversos projetos e emendas relacionados ao Enem 2020, ao menos três deles no Senado. Um deles, do senador Humberto Costa (PT-PE), pede que sejam estendidos prazos para que alunos possam pagar a taxa do Enem ou pedir isenção na taxa de inscrição.
Já projetos de Daniella Ribeiro (PP-PB) e Izalci Lucas (PSDB-DF) querem o adiamento da prova.
O senador tucano defende que o calendário das provas só seja definido quando as aulas presenciais forem retomadas. "O Inep (órgão do Ministério da Educação responsável pelo Enem) deve se abster de datas ou aplicação de provas até a retomada das aulas do ensino médio", disse Izalci Lucas à Agência Senado. "Temos muitos alunos sem a mínima condição de receber seus conteúdos e não é razoável aplicar uma prova em que muitos serão prejudicados."
Na Câmara, um grupo de seis deputados propõe um decreto que faça deixar de vigorar os editais do Enem 2020 e, assim, force o governo a adiar a prova.
"A maioria das escolas particulares com alunos de classe média e alta continuaram seus estudos em casa, com aulas online, professores acompanhando exercícios, dúvidas, trabalhos escolares etc. No geral esses alunos têm melhores possibilidades de estudos em casa, com acesso a internet, computador, tablets e smartphones. Os alunos da rede pública de ensino, em sua maioria de baixa renda no Brasil, estão muito distantes dessa realidade de possibilidades de estudo e como consequência, de aprovação no Enem para ingresso nas universidades federais do país", diz o texto do projeto de decreto.
#Fonte: BBC News Brasil
Enem abre inscrições: Brasil vai 'na contramão do mundo' ao manter datas do exame em meio à pandemia?
Reviewed by CanguaretamaDeFato
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