“O que está doendo tanto em
você para fazer isso?” Foi o que a aposentada Maria, de 40 anos,
perguntou para Bárbara (nomes fictícios) quando viu cortes no braços da
filha, de 11. “A dor dela era se achar tão inferior que não merecia
carinho de ninguém.” Cada vez mais comuns entre crianças e adolescentes,
as automutilações trazem à tona feridas emocionais de meninos e meninas
e mobilizam escolas em planos de intervenções e ações preventivas.
Depois de terapia e a aposta em um
esporte novo, aos poucos os cortes deram lugar às cicatrizes nos braços
de Bárbara, mas a menina ainda vê colegas da mesma idade que passam pelo
problema. O Brasil não tem dados específicos sobre o número de jovens
que se automutilam. Nos corredores dos colégios e consultórios, porém, a
sensação é de aumento.
Conhecer a dimensão das lesões entre
adolescentes é um dos objetivos de uma lei sancionada na semana passada
pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL). A norma prevê que escolas passem a
notificar casos de automutilação a conselhos tutelares – a ideia é que a
família também seja avisada, ao mesmo tempo.
“É um fenômeno. Outros
países enfrentam os mesmos dilemas e, para instituir políticas públicas,
precisamos de dados precisos”, disse ao jornal O Estado de São Paulo a
ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. A
pasta vai articular a regulamentação da norma.
A escola é vista por autoridades e
especialistas com um papel central na identificação dos casos – parte
ocorre dentro das unidades e com objetos cortantes de uso cotidiano dos
estudantes. Mas, em meio a uma série de outros desafios ligados à
aprendizagem e falta de recursos, os colégios ainda precisam superar
tabus e a falta de formação de seus profissionais para lidar com o tema.
Pesquisadora da violência nas escolas há
quase 20 anos, Miriam Abramovay se assustou quando percebeu o volume de
relatos sobre automutilações em um estudo em escolas públicas do Ceará e
Rio Grande do Sul. Realizada em 2016 e 2017, a pesquisa incluiu o
tópico pela primeira vez e ouviu grupos de jovens. “Em uma escola onde
fizemos pesquisa, devolveram ao professor um ‘kit de automutilação’.
Disseram que não precisavam mais, já se sentiam reconhecidos não só pela
escola, como também pela sociedade.”
“Era uma catarse, eles choravam muito”,
lembra Miriam, pesquisadora da Faculdade Latino-Americana de Ciências
Sociais (Flacso). “Tanto que começamos a levar caixinhas de lenço de
papel”, comenta.
Professora do Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo (USP), Leila Tardivo observa, além do
aumento, uma mudança no perfil. “Era mais entre mulheres acima de 20
anos, pessoas com problemas psiquiátricos. Agora, acontece em pessoas
mais jovens, de 12, 13, 14 anos.” As meninas são maioria, mas a prática
também ocorre entre os meninos.
Raramente há intenção de causar a morte.
“Os adolescentes se machucam até para não se suicidar. Muitos dizem que
a dor no braço é menor do que a tristeza”, diz Leila, que, com uma
equipe da USP e pesquisadores da Universidade de Sevilha, na Espanha,
participa de ações preventivas em escolas públicas de São Paulo.
Automutilação está ligada a frustrações e depressão
Para ela, o contágio pelas redes sociais
– há jovens que publicam as lesões na internet e páginas que incentivam
a prática – ajuda a explicar o fenômeno, mas não é a única causa. “A
automutilação está ligada a frustrações, à depressão.” Os casos também
podem vir após violência em casa, bullying e abandono. O tratamento
inclui psicoterapia e, em geral, não dura menos de um ano.
Espaços como o ambulatório do Instituto
de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da USP se especializaram
no assunto. Jovens com histórico de autolesões começaram a chegar em
2013 e não pararam mais. “Hoje, temos mais adolescentes com
automutilação do que uso de drogas no ambulatório”, diz a psiquiatra do
IPq Jackeline Giusti, que também tem recebido ligações de escolas em
dúvida sobre como agir.
Foi depois da demanda de colégios que
uma equipe do Departamento de Psicologia da Universidade Federal
Fluminense (UFF) passou a estudar questões emocionais e afetivas
relacionadas à automutilação entre adolescentes.
ATENÇÃO, PAIS: Cresce Alerta para Automutilação Entre Crianças e Adolescentes no Brasil
Reviewed by CanguaretamaDeFato
on
7.5.19
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