O presidente Jair Bolsonaro (PSL) esteve esta semana em Israel e
afirmou não ter dúvidas de que o nazismo foi um movimento de esquerda.
Questionado por um jornalista sobre se concordava com a opinião do
ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, sobre o tema, o
presidente afirmou: “Não há dúvida, não é? Partido Socialista, como é
que é? Partido Nacional Socialista da Alemanha”.
A declaração causou desconforto pela imprecisão histórica e gerou
várias manifestações de repúdio a sua fala. Para o historiador Felipe
Schadt, especialista em História, Sociedade e Cultura e professor da
Faccamp (Centro Universitário Campo Limpo Paulista), a declaração de
Bolsonaro mostra uma vontade de passar a “batata quente” que é ter o
nazismo em seu espectro político de atuação para o outro lado do campo
político.
“Ter socialismo no nome não significa absolutamente nada,
principalmente para a época e porque o [Adolf] Hitler entrou no partido
quando ele já existia. Era só o partido e tinha já um nome”, explica o
historiador que acredita que o momento atual do Brasil está muito
polarizado e favorece discursos distorcidos como o de Bolsonaro.
Confira a entrevista completa:
Por qual motivo histórico é errado dizer que o nazismo é de esquerda?
Felipe Schadt: Primeiro a gente tem que entender que essa discussão
de nazismo ser de esquerda ou ser de direita é uma discussão que não
existe em nenhum outro lugar do mundo. A não ser aqui no Brasil nesse
contexto político que a gente vive hoje de dicotomia partidária. Na
academia, essa discussão não existe. É uma obviedade histórica. É uma
verdade dada de que o nazismo é um movimento de extrema-direita, é um
movimento fascista de extrema-direita e só por ser um movimento fascista
ele já se caracterizaria como de direita. Essa discussão se dá porque
ninguém quer pegar a “batata quente” para o seu lado. Então, ficam
empurrando. Mas o nazismo foi de extrema-direita.
Quais fatores evidenciam que o nazismo era um movimento de extrema-direita?
Schadt: A gente tem que entender o nazismo não pelas suas maneiras de
agir no decorrer. A gente tem que ver o nazismo como um todo e ele é
baseado no seu objetivo maior que é a superioridade da raça ariana em
detrimento das outras. Ou seja, transformar, a princípio, a Alemanha em
um local só para os alemães ditos “puros”. Os outros deveriam ser
eliminados. Esse é o objetivo do nazismo. O objetivo do nazismo não é
dar força para o proletariado, controlar os meios de produção, lucro… o
objetivo do nazismo é racial.
E qual a diferença em relação à esquerda?
Schadt: A esquerda entende os diferentes, dá tudo igual para os
diferentes e coloca os diferentes no mesmo saco. A direita não. Ela
evidencia as diferenças e privilegia diferentes, privilegia quem merece
mais. Por isso que o nazismo está no espectro da extrema-direita, porque
ele evidencia as pessoas e ele dá um mérito. Qual é o mérito? Ser
ariano. Quem não é ariano não merece. E o que a extrema-direita faz? Ela
elimina. A direita liberal não quer eliminar. O nazismo não era não era
de direita, não era liberal, longe disso. Eles [nazistas] são da
extrema-direita.
Sua pesquisa falava sobre a eugenia, não é mesmo? Conte sobre ela.
Schadt: Eu quis falar sobre eugenia no cinema nazista. A eugenia
prega a ideia do bem-nascido. Tinha um sujeito chamado Francis Galton.
Ele era primo do [Charles] Darwin e ele vivia no século XIX na
Inglaterra, que era fabril, tinha pessoas morando na rua, situações
muito degradantes porque tinha um inchaço urbano… aí ele vai olhar pra
tese do primo dele da evolução das espécies e ele vai dizer que isso
também acontece na sociedade. Quem é mais adaptado, consegue sobreviver
melhor na sociedade. Quem é menos adaptado, vai viver mal. Aí é óbvio
que quem consegue viver melhor na sociedade é o rico, o burguês, o
patrão, o dono da empresa… e quem vive mal são os trabalhadores, os
caras que estão ali na rua, os caras que trabalham 14, 16 horas por dia
por centavos… então ele diz assim: a gente precisa de um mundo onde só
os bons sobrevivam. Eugenia é uma palavra grega que significa
bem-nascido. Então, ele queria um mundo que só tivesse as pessoas que se
adaptaram. Ou seja, ele só queria um mundo com pessoas ricas.
Acreditavam nessa teoria?
Schadt: Eugenia foi uma ciência muito aceita. Não só na Inglaterra.
Por exemplo, nos Estados Unidos eles tinham programas que incentivavam o
aborto para quando você soubesse que seu filho nasceria com algum tipo
de deficiência. No Brasil isso também foi muito aceito. O fato é que a
eugenia diz que eu tenho que valorizar um ser humano perfeito, que seja
bem-nascido, que não seja uma pessoa degenerada e o [Adolf] Hitler bebe
dessa fonte. A ciência comprova que essa é uma verdadeira falácia. Isso é
uma construção social e subjetiva. Não existe humano bom e humano ruim.
Por quais motivos acha que está sendo difundida essa ideia de que nazismo era de esquerda?
Schadt: A gente está vivendo um momento político no Brasil que é
muito dicotômico. Então, isso está dado e foi construído e a gente
precisa pertencer a um dos lados. Isso ficou muito evidente na segunda
eleição da Dilma [Rousseff] contra o Aécio [Neves], isso se amplia no
impeachment e se potencializa ao máximo na última eleição. A gente está
nessa briga de direita e esquerda, parece que a gente não entendeu que o
Muro de Berlim já caiu e que essa coisa de direita e esquerda não se
sustenta mais. Dá pra classificar partido tal como de esquerda e de
direita, mas isso é muito frágil. A gente não superou isso. A gente está
vivendo isso de novo e, politicamente, a gente retrocede nesse quesito.
Isso acontece no Brasil por conta da política?
Schadt: A gente tem que pertencer a algum grupo, então, se você não é
de esquerda, você tem que ser de direita obrigatoriamente. E aí, o que
acontece? O tema nazismo é uma “batata quente” que a direita não quer
ficar pra ela e aí ela empurra para a esquerda. Então começa a encontrar
elementos subjetivos para dizer que nazismo é de esquerda. Ter
socialismo no nome não significa absolutamente nada, principalmente para
a época e porque o Hitler entrou no partido quando ele já existia. Era
só o partido e tinha já um nome. É aquela coisa de culpar: tudo que é
ruim tem que ser de esquerda. É por isso que isso só acontece no Brasil
nesse instante. Na academia isso não acontece. Em outros lugares do
mundo isso não acontece. Só aqui, no que eu acredito que seja uma
esquizofrenia social gigante que a gente está vivendo.
Qual o perigo da fala de Bolsonaro?
Schadt: Para academia, nenhum. A
academia é muito sólida, tem excelentes autores que têm anos de estudo
sobre o assunto e que não vai ser a fala de um presidente de um país
emergente que vai mudar alguma coisa na história do mundo. O Bolsonaro
pode dizer o que ele quiser, mas não vai [mudar nada]. A academia
trabalha com conceito de pesquisa. É diferente vir um sujeito, descobrir
alguma coisa, fazer uma tese e ter um renome acadêmico e ter uma
autoridade para dizer isso. O problema todo é que o Bolsonaro só amplia
essa esquizofrenia. Ele cria um desconforto para a verdade. Tudo passou a
ser motivo de revisão e aí as pessoas vão preferir acreditar naquilo
que lhe convém.
Bolsonaro Dizer que Nazismo é de Esquerda Evidencia “Esquizofrenia Social”, Afirma Especialista
Reviewed by CanguaretamaDeFato
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