O que é um fenômeno? Um deputado de ultradireita não é um fenômeno. O
endeusamento de Donald Trump não é um fenômeno. Pesquisa eleitoral não é
um fenômeno. Fenômerno é um apologista de Trump liderar as pesquisas
presidenciais no Brasil recitando teses de ultradireita.
Com a aclamação
de sua candidatura pelo raquítico PSL, neste domingo, Jair Bolsonaro
consolida-se como grande surpresa da temporada eleitoral de 2018. Mas o
fenômeno, indica o Datafolha, tem calcanhares de vidro que dificultam
sua caminhada até o Palácio do Planalto.
Um terço do eleitorado desenvolveu uma ojeriza pelo fenômeno
—32% dos entrevistados disseram que jamais votariam no capitão.
Bolsonaro tem dificuldades para crescer. Mais: nas projeções de segundo
turno, sua liderança derrete.
Se não estivesse inelegível, Lula (49%) surraria Bolsonaro (32%) num
hipotético segundo round. Marina Silva (42%) colocaria dez pontos de
vantagem sobre o fenômeno (32%). Ciro Gomes (36%) subiria ao ringue
estatisticamente empatado com a novidade (34%). Até Geraldo Alckmin
(33%) emparelharia suas luvas com as de Bolsonaro (33%), num empate
matemático.
Numa eleição imprevisível, em que 33% dos eleitores chegam à beira da
urna sem ter escolhido um candidato, tudo pode acontecer. Mas a
liderança de Bolsonaro tem, por ora, a solidez de um pote de gelatina.
Sem alianças, o candidato terá algo como sete segundos para vender o seu
peixe no horário eleitoral. Mal dá para pronunciar o nome.
Bolsonaro alardeia que vencerá a eleição no primeiro turno, fazendo
suas barricadas na internet. Em política, impossível não é senão uma
palavra que contém o possível. Mas Valdemar Costa Neto, um PhD em poder,
preferiu tomar distância. Ao farejar o risco de Bolsonaro dar com os
burros n’água, o dono do PR decidiu apostar num burro mais seco.
Entregou o tempo de propaganda do seu partido para o tucano Geraldo
Alckmin, estimulando as outras legendas do chamado centrão a fazer o
mesmo.
O fenômeno arrancou a extrema-direita do esconderijo entoando
raciocínios que transformaram o candidato numa espécie de porta-voz do
desalento. Bolsonaro captou no ar o sentimento do armário. Há quatro
meses, ao filiar-se ao PSL, declarou que seu modelo é Donald Trump, “um
exemplo para nós seguirmos.”
Na área da segurança pública, sua prioridade é liberar as armas,
aproximando o Brasil dos Estados Unidos, país onde estudantes
adolescentes matam colegas de classe com armas compradas na loja da
esquina. Apoiado pela Bancada da Bala, Bolsonaro deseja vitaminar o
grupo no Congresso. “Quem sabe teremos aqui a bancada da metralhadora”,
vaticionou. “Violência se combate com energia e, se necessário, com mais
violência”.
No rol de inimigos de Bolsonaro, “marginais” e “vagabundos” dividem
espaço com os homossexuais. “Um pai prefere chegar em casa e ver o filho
com o braço quebrado no futebol, e não brincando de boneca”, declarou.
“Casamento é entre homem e mulher. E ponto final”.
No final do ano passado, Bolsonaro classificou a turma do MST de
“terrorista”. Propôs um tratamento implacável: ”A propriedade privada é
sagrada. Temos que tipificar como terroristas as ações desses marginais.
Invadiu? É chumbo!” Chegou mesmo a defender o uso de ”lança-chamas”
contra os liderados de João Pedro Stédile.
Deputado federal de sete mandatos, Bolsonaro às vezes soa como se os
seus 27 anos de Congresso fossem um mero asterisco. ”Se o Kim Jong-un
jogasse uma bomba H em Brasília e só atingisse o Parlamento, você acha
que alguém ia chorar?”, indagou numa palestra, arrancando risos da
plateia.
De economia Bolsonaro reconhece que não entende bulhufas. Nessa
matéria, o candidato tornou-se uma espécie de jarro vazio, dentro do
qual o economista Paulo Guedes despeja o seu receituário liberal. Guedes
disse que, num eventual governo Bolsonaro, seriam mantidos em seus
postos membros da equipe econômica da gestão de Michel Temer, um
presidente reprovado por oito em cada dez brasileiros.
Dogmático aos 63 anos, Bolsonaro comporta-se como se já não tivesse
idade para aprender mais coisas. Polêmico, também não exibe a sabedoria
dos políticos que aprenderam a ocultar o que ignoram. Para um candidato
assim, tão controverso, a tarefa de reduzir antipatias é mais
complicada. O fenômeno terá que se desdobrar se não quiser passar à
história como o presidente mais fenomenal que o Brasil jamais terá.
ELEIÇÕES 2018: Bolsonaro com Calcanhares de Vidro
Reviewed by CanguaretamaDeFato
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23.7.18
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