ENTREVISTA: “É Preciso Estabelecer a Cultura da Economia”, diz William Pereira, Mestre em Economia da UFRN

William Pereira é economista, professor e coordenador do mestrado em economia da UFRNWilliam Pereira é economista, professor e coordenador do mestrado em economia da UFRN


Em tempos de crise é possível poupar?

Sempre é possível. Precisa desenvolver o pensamento econômico.  Revendo o que vai comprar, para não perder alimentos, como vai conservar, o que pode ser aproveitado. Tanto na cozinha, como em toda a casa, ver pontos em que se pode reduzir custos, melhorar os gastos.

A poupança ainda é uma forma viável, mesmo com a Selic nesta taxa de 13%?

Sim. Ainda é o investimento menos ruim para a classe trabalhadora. Em situação de insegurança, a poupança é a menos ruim, mesmo com certa perda devido a inflação, as taxas.  No livro trago sugestões de como poupar e como investir. E imóveis sempre também são uma boa forma de investir, porque sempre se valoriza. Para quem tem dinheiro, é ainda vantajoso investir em imóveis.

A economia nos últimos anos cresceu puxada pelo consumo das famílias, com a política e transferência de  recursos por meio de políticas sociais. Com a esta recessão, quais as projeções?

O economista Alfred Marshall já dizia que a economia é uma tesoura, um lado da oferta e a outra demanda, que só faz sentido se caminharem juntas. O país andava meio parado. A política econômica de reaquecer a partir do consumo foi e ainda é muito importante, sobretudo entre a classe trabalhadora, que tinha uma demanda contida. Não havia renda para consumir. É preciso gerar renda para se consumir. Agora é preciso agir do outro lado da tesoura, na geração de oferta. Este é ainda o nosso grande pecado. Trabalhou-se pouco a oferta, ou seja, na produção de mercadorias e serviços. Ampliar a oferta de bens e serviços.

O descompasso da “tesoura” se deu em qual momento?

Em 1988, 1989 nós acabamos com o planejamento econômico. O Plano Real traz benefícios, mas de forma abrupta. Gera uma queda do dólar de forma tão rápida, com o dólar custando R$ 0,83, que fez com que as pessoas que queriam consumir trocassem  o produto nacional  pelo estrangeiro. E muitas empresas, indústrias que não tinham capacidade para competir com o mercado estrangeiro, quebraram. Foi o setor de autopeças, a indústria têxtil, a de brinquedos. Grande parte do empresariado procurou, para atender essa demanda contida, a saída mais rápida que foi a importação e isso prejudicou muito o país. Nos anos 1990 quando começou o plano real, havia um parque de produção autopeças para a industria brasileira. E com o dólar muito mais baixo, equiparado ao real, as montadoras buscaram comprar essas peças fora, era mais barato. O parque de autopeças foi praticamente destruído, se perdeu a geração de emprego, de renda e de tecnologia no país. E isso perdurou até 1999, com a mudança da política cambial, voltou a favorecer o produto nacional. Há também a questão macro, essa crise que aí está vem desde 2008 com a crise financeira mundial e o Governo da gestão anterior fez de tudo para afastar os efeitos que até então não eram sentidos e havia um crescimento do PIB. E estas medidas de ajustes, de contenção não deveriam ter sido feitas naquele momento, porque se fossem seria pior e iriam antecipar uma situação de crise. Eles acertaram em não antecipar, em delongar para agora esta situação.

E o que esperar, quais as perspectivas para 2015?

Mais inflação, freio no consumo. Juros devem aumentar um pouco mais. O endividamento deve acompanhar e crescer. A renda média do trabalhador vai cair um pouco mais. Este é um ano de recessão mas para as pessoas empreendedoras é também um ano de oportunidades. Para quem exporta, para o turismo doméstico, para outros setores. E é preciso ainda a geração de infraestrutura pelo setor público e privado. É um momento de reajuste. Se o Congresso ajudasse, mas temos um Congresso altamente reacionário, que não favorece a saída da crise, prova disso é a lei da terceirização.

Já que o senhor citou, quais as implicações ela traz?

A lei da terceirização é terrível para a classe trabalhadora e que de forma alguma vai gerar mais emprego. O que vai criar é mais posto precário, mais rotatividade e menos renda.

Como o senhor analisa o alto endividamento das famílias? E como este índice deve  se comportar ao longo do ano?

Até a década de 1980, havia uma grande demanda reprimida, porque não tinha renda. Com o plano real, nos meados dos anos 1990, aumentou o poder aquisitivo da população o que possibilitou o acesso a produtos e serviços que antes não tinham. Na década passada, houve um rápido aumento na renda do trabalhador, o crescimento da oferta de crédito e ampliou o consumo da população. Quem não consumia passou a  consumir, o que é salutar para uma sociedade. Mas quando ocorre muito rápido, não há uma educação para isso e acabam aumentando o endividamento. Mas se compararmos o endividamento das famílias brasileiras com a de outros países, vemos que aqui ainda é muito baixo. Se analisarmos internamente, houve um crescimento significativo do endividamento. Enquanto o nível de endividamento está abaixo do patrimônio, é uma situação com solução. Problemático é quando ultrapassa o patrimônio, que mesmo liquidando não tem como ficar adimplente. Se não controlar o consumo pode entrar num espiral de endividamento.

Nesse contexto, como as taxas de juros influenciam nesse descontrole e aumento das dívidas?

As taxas de juros são o grande vilão. Porque no Brasil são exageradas. E nem tanto a Selic, mesmo alta chegando a casa dos 13%, não é tão preocupante como se pesarmos outras taxas de juros como a do cartão de crédito que gira em torno de 600%. Essa sim é absurda e irreal. As operadoras de cartão e bancos pregam de que os juros são altos porque a inadimplência é alta. Mas será que não é a inadimplência que é alta porque os juros são bastante elevados?  Se você atrasa R$ 100 no cartão e crédito em uma ano a dívida chega a R$ 600.

A perda do ganho real dos salários nos últimos meses e a restrição de crédito têm influenciado o crescimento da inadimplência?

Não podemos falar em perda de ganho real dos salários se analisarmos  os últimos 15 anos, quando houve um crescimento do salário mínimo acima da inflação. Nos últimos três meses é que vemos alguma perda, mas é pequena se comparada há 15, 20 anos, quando a inflação chegava a 3 mil% ao ano. Claro que com uma inflação a 8,5% é preciso controle, porque se chegarmos a dois dígitos pode entrar em um aspiral inflacionário. Deve-se analisar o movimento se vai crescer, cair.

E qual a tendência, a inflação vai continuar crescendo, estagnar, cair?

Uma coisa é o que o Governo deve fazer cortando despesas, fazendo esses ajustes. Deverá estimular alguns setores que gerem emprego e renda, especificamente, enquanto vai cortar dos outros setores. Uma requalificação dos seus gastos. Isso traz implicações para a classe trabalhadora, não à toa o nível de desemprego subiu 0,2%, saiu de 6 para 6,2. Individualmente, o que cada um deve fazer é qualificação e educação para se manter no mercado. E depois se refazer, se reorganizar. Repensar o nível de consumo. Muitas vezes se compra muito mais do que é capaz de consumir. Reduzir, com uma pesquisa de preço, pechincha, até mesmo para aquilo que já se mudou o consumo.

O seu livro aborda isso, como é esse reorganizar o consumo?

Muitos dizem: meu salário não dá. Ou seria o consumo que não dá? É mais fácil organizar o consumo para o salário, do que o salário para o consumo. Quanto mais se ganha, mais gasta, mais se aumenta o consumo. O ideal é ajustar o consumo à realidade de salário que tem. Se você consome vinho, trocar uma marca importada pelo nacional. Que além de uma economia direta ainda vai estimular o emprego e a renda no país e não remeter divisas para outros, para fora. Se o consumo de produtos nacionais fosse maior, teríamos uma crise menor. Há diversos  produtos que podem ser cortados, substituídos ou mesmo mudar a marca. Um filme que passa nos três cinemas é o mesmo filme e você pode ver pelo preço mais barato. Fazer uma reeducação financeira, usar menos o que puder, desde o cartão de crédito, carnês, cheque especial, numa situação extrema usar o consignado e sempre comprar à vista. Se não tem, não compre. E para investimentos, é ter mais cautela. E tentar gerar uma renda extra, economizar. É preciso estabelecer a cultura da economia.

O que é preciso para implantar esta cultura?

É ter uma educação que pese sempre: é avaliar se eu posso fazer melhor ou de mesma qualidade gastando mais? Ou seja, é uma contracultura do gasto. Um exemplo bem comum de que não se pensa economicamente, o indivíduo consome muito alimento, tem um alto gasto com isso e depois gasta também com uma academia para perder o peso, as calorias que consumiu. O mais viável seria reduzir os gastos com a alimentação, melhorar a qualidade para reduzir as calorias e também ver possibilidades de reduzir ou trocar a academia por atividades ao ar livre, sem custo. Com as taxas de desemprego e de juros subindo, os preços dos produtos mais caros é preciso reduzir o consumo exagerado, evitar endividamentos com taxa de juros alta e até procurar novas fontes de renda. São pequenas trocas de hábitos que trazem diferença no final do mês, na balança e no bolso.
#Fonte: Tribuna do Norte
ENTREVISTA: “É Preciso Estabelecer a Cultura da Economia”, diz William Pereira, Mestre em Economia da UFRN ENTREVISTA: “É Preciso Estabelecer a Cultura da Economia”, diz William Pereira, Mestre em Economia da UFRN Reviewed by CanguaretamaDeFato on 11.5.15 Rating: 5

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